SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Partiu da bancada evangélica o pedido para que a lei do protocolo “Não é Não” deixasse de fora “cultos” e “outros eventos realizados em locais de natureza religiosa”. Incluída no texto sancionado pelo presidente Lula no dia 29 de dezembro, a exceção despertou a cólera de grupos progressistas, por vezes ganhando mais destaque do que o mérito inicial da proposta.
A legislação fala em implementar o dispositivo “no ambiente de casas noturnas e de boates, em espetáculos musicais realizados em locais fechados e em shows, com venda de bebida alcoólica, para promover a proteção das mulheres e para prevenir e enfrentar o constrangimento e a violência contra elas”.
A autora da proposta, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), explica que o texto foi inspirado na “No Callem”, ferramenta em vigor na espanhola Barcelona para combater abusos sexuais em espaços privados noturnos como o caso em que o jogador de futebol Daniel Alves foi acusado de estupro por uma mulher.
Maria do Rosário conta também que a exclusão de espaços religiosos “foi pactuada para não impor um formato de protocolo que foi construído para eventos e casas de diversão comerciais para procissões, quermesses, festas religiosas que diversas religiões realizam, desde a católica até as afro-brasileiras”.
Os maiores escudeiros dessa manobra foram parlamentares evangélicos que dizem temer o uso politizado do instrumento nas igrejas. Eli Borges (PL-TO), que presidiu a frente cristã no primeiro semestre de 2023 e deve reassumir o posto em 2024, liderou essa articulação.
A reportagem conversou com quatro deputados da bancada, e todos afirmaram que o “Não é Não”, uma bandeira associada a movimentos progressistas, poderia ser aplicado para tolher a liberdade de expressão em cultos e também de forma revanchista.
Eli Borges destaca outro ponto que o fez defender a ressalva para religiosos: “Igreja não lida com segurança, ela não é obrigada a exercer papel de polícia”. Não que isso significa que ela vá ser “omissa” e deixar de coibir “questões como o feminicídio”, o deputado pede que a reportagem frise.
Também há o que, para ele, seria um ímpeto da esquerda em querer enquadrar a qualquer custo os evangélicos. “Essa visão de ideologizar a convivência social, a igreja vai lutar contra isso o tempo todo. O aspecto de dar mais segurança às mulheres é bom. Agora, o que se lamenta neste governo Lula é que ele está simplesmente querendo ideologizar tudo.”
Denúncias de assédio acontecem em todos os espaços religiosos, inclusive os evangélicos, com várias acusações contra pastores. Borges, contudo, argumenta que nessa seara cristã casos afins seriam menos numerosos, tese respaldada por colegas da bancada.
“Até parece que o assédio é regra dentro das igrejas”, diz Silas Câmara (Republicanos-AM), atual líder do bloco. Para ele, se contemplasse celebrações religiosas, a lei poderia encorpar uma visão excessivamente ampla e dar um jeito de enquadrar um pastor que recite um versículo bíblico compreendido como constrangimento à mulher, como este de Efésias: “As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor”.
“A gente vive um momento no Brasil em que você não pode ter confiança que qualquer julgamento tenha essencialmente visão jurídica, tudo está politizado”, afirma Câmara.
Nos bastidores, fala-se até em “ativismo LGBT” por trás da lei, como se mulheres transgêneros pudessem utilizá-la para “se vitimizar”, segundo um parlamentar que prefere, sobre esse ponto, falar em anonimato.
A ressalva prevista na legislação “não implica em tolerância ou ausência de medidas contra o assédio nessas instituições”, afirma Cezinha de Madureira (PSD-SP), outro ex-presidente da bancada. “Trata-se apenas de se reconhecer a peculiaridade dos ambientes religiosos. As celebrações realizadas em igrejas já pressupõem um compromisso inerente ao combate a qualquer forma de assédio.”
Maria do Rosário diz que, ao formular a redação legislativa, de fato nem tinham pensado que ela abrangeria cultos, até porque “nem teria poder para tanto, pois seria dizer como instituições religiosas iriam se organizar”. O projeto, segundo a petista, só conseguiu ser aprovado no Congresso “deixando bem nítida essa dimensão”.
A lei “não deve ser diminuída por abranger o que ela se propôs, casas noturnas e eventos de diversão”, afirma. “Fiquei impressionada com a desinformação propagada por algumas mulheres bastante conhecidas. Quem só lê o parágrafo não está valorizando o trabalho de mulheres que fazem as leis no Brasil neste ambiente tão difícil.”
De acordo com a parlamentar, outro projeto de lei deve ser formulado para “criar agravante no caso dos crimes cometidos com o uso da fé”.
História por ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER • 1h