A intensidade das chuvas que caíram no litoral de São Paulo, destruindo bairros inteiros e causando ao menos 50 mortes, foi resultado de uma coincidência que uniu umidade, ventos de ciclone e uma frente fria estacionada em São Sebastião.
Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que esses fatores são comuns, especialmente nesta época do ano, e que a ocorrência deles em conjunto provocou os volumes superiores a 600 mm registrados na ocasião.
Ainda segundo meteorologistas, as mudanças climáticas têm interferido na frequência de chuvas mais extremas nos últimos 30 anos no país. As evidências, dizem eles, indicam que pode haver uma mudança na localização do canal de umidade no Sudeste.
Esse canal é formado por umidade oriunda da Amazônia. Historicamente, fica posicionado sobre o meio de Minas Gerais e parte do estado do Rio de Janeiro.
Ocorre que o canal tem mudado de posição com mais frequência, deslocando-se um pouco mais para o sul de sua posição tradicional. Isso, segundo os especialista, pode ser a causa de mais chuvas extremas no litoral de São Paulo e de tempo mais quente e seco na parte sul de Minas Gerais.
“É uma evidência, porque estamos tendo mais casos de seca e ondas de calor em Minas e mais chuvas extremas em São Paulo. Ou seja, se o canal de umidade veio para ‘baixo’, leva mais chuva para esse local”, afirma o pesquisador.
No caso da chuva que devastou o litoral paulista, não é possível fazer uma associação direta com a mudança climática, diz Wanderson Luiz Silva, meteorologista e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Para entender por que choveu dessa maneira é preciso observar a contribuição de cada um dos fatores.
O primeiro deles é o corredor de umidade, originado perto da linha do Equador, que é reforçado pela evapotranspiração da floresta Amazônica que “desce” pelo continente, chegando ao Sudeste e ao Sul.
Esse movimento é normal e fundamental para o regime de chuvas no país. Daí uma das razões para manter a floresta em pé.
O segundo fator foi a passagem de uma frente fria no litoral de São Paulo, obstruída por um fluxo de ventos originados na região de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
“Essa frente fria ficou no que chamamos de caráter semi-estacionário e não fez o que era previsto: avançar para o litoral do Rio de Janeiro. É comum a passagem em um ou dois dias”, diz Wanderson.
Com a frente fria parada, o acúmulo de umidade, combinado a temperaturas altas na região, foi acentuado.
“O contraste térmico da frente com o continente, que estava quente, ajudou a levantar as nuvens e formar nuvens convectivas”, diz Mamedes Luiz Melo, meteorologista-chefe do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
Essas nuvens, que são sinônimo de tempestade, são caracterizadas por sua extensão vertical. Além da troca de temperaturas, a serra do Mar funciona como uma barreira física para que as nuvens se concentrem na região. Elas batem na serra e sobem, continuando o processo de acumulação.
Ainda, diz Mamedes, os ventos vindos do oceano eram formados por um ciclone extratropical, distante da costa, e chegavam de forma quase perpendicular ao litoral norte de São Paulo, levando mais umidade ao local.
Wanderson, da UFRJ, afirma que também foi verificado um aumento de 2ºC na temperatura da superfície do oceano na região do litoral norte paulista, o que aumentou a evaporação e, consequentemente, a quantidade de água que iria cair depois.
“Essa anomalia entra na variação natural dos oceanos, foi mais um fator que agravou.”
Conforme as nuvens subiam, era formado um sistema de baixa pressão na parte inferior, o que funciona como um aspirador de umidade, concentrando mais umidade da região no local.
“Com todos esses elementos de frente fria, ciclone, calor, temperatura do oceano e essa umidade convergindo, os modelos indicavam algo mais intenso na área”, afirma Mamedes, do Inmet.
Como resultado, a população da região, especialmente de São Sebastião, viu cair em dois dias o volume de chuva de dois meses.
LUCAS LACERDA – Ontem 21:17