Estados Unidos e China estão esta segunda-feira (22.01) de olhos postos em Cabo Verde: o país acolhe uma visita de Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano, e outra de uma delegação chinesa ligada a um fundo de capitais.
A deslocação do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China – Países de Língua Portuguesa, até quarta-feira (24.01), visa fortalecer a cooperação entre a China e Cabo Verde em matéria de investimento e negócios.
Na semana passada, o Governo cabo-verdiano reiterou o compromisso com o princípio de “uma só China”, após as eleições de dia 12, em Taiwan, que levaram à presidência William Lai, considerado um “agitador” por Pequim. E o interesse e influência da China continuam a crescer também no resto do continente: Pequim, dizem analistas ouvidos pela DW, “compra” apoio político e acesso a matérias-primas com enormes investimentos em infraestruturas.
Ligação histórica
Já é mais do que uma tradição, é quase uma regra: há 34 anos que a primeira viagem internacional do ano do ministro chinês dos Negócios Estrangeiros tem como destino África. 2024 não foi exceção. Wang Yi visitou o Egito, a Tunísia, o Togo e a Costa do Marfim, antes de partir para a América do Sul. Além da crise no Médio Oriente, a agenda incluiu a cooperação económica e o diálogo com a sociedade civil.
África tem um papel cada vez mais importante para a China, que precisa cada vez mais de energia e matérias-primas.
Após a II Guerra Mundial, a China comunista promoveu uma cooperação intensiva com os países africanos. Pequim acabou por se posicionar como porta-voz dos países menos desenvolvidos que, mais tarde, viriam a integrar o que agora é conhecido como “Sul global”.
Desde o início da política de reforma e abertura da China, há 45 anos, África tem sido um fornecedor fiável de recursos naturais. Em troca, a China investiu em infraestruturas e em setores sociais como a educação e a saúde.
Nos anos 1970, por exemplo, a China financiou a linha ferroviária de 1.860 quilómetros entre a cidade portuária de Dar es Salaam, na Tanzânia, e Kapiri Mposhi, na Zâmbia.
A Autoridade Ferroviária Tanzânia-Zâmbia (TAZARA, na sigla em inglês), também conhecida como a Ferrovia Uhuru, atravessa a mais importante região mineira de África. Desta forma, a China recebe cobre da Zambia através de uma linha ferroviária que ela própria construiu.
Todos ganham – mas há outros interesses em jogo
A China tem princípios normativos distintos, diz Philipp Gieg, especialista em Relações Internacionais da Universidade de Würzburg, na Alemanha. O analista frisa que Pequim não diz a África o que fazer, mas a sua ajuda baseia-se nos interesses chineses. “É dito abertamente. Quando a China diz que ‘todos saem a ganhar’, significa África mas também a China”, resume o politólogo e sociólogo.
“E isso é, por vezes, um pouco mais honesto, quase diria, do que aquilo que por vezes se apresenta no Ocidente e talvez também contribua para o facto de a ajuda ao desenvolvimento ser sempre vista de forma um pouco negativa, como se os países ocidentais estivessem a dar presentes”, acrescenta.
Pouco depois das eleições presidenciais em Taiwan, que deram vitória e William Lai, um crítico da China, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês encontrou solidariedade na sua viagem a África. Pequim considera Taiwan território chinês, que um dia será “reunificado” com o continente.
A questão de Taiwan
“O Togo apoia a reunificação da China”, disse o primeiro-ministro Victoire Tomegah Dogbe. “Só há uma China no mundo. Taiwan é uma parte integral da China”, afirmou Alassane Ouattara, Presidente da Costa do Marfim.
Também o Governo de Cabo Verde reiterou o compromisso com o princípio de uma só China, na semana passada. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Integração Regional, Rui Figueiredo Soares, recebeu na terça-feira (16.01) o embaixador da China em Cabo Verde, Xu Jie, que levou para o encontro as eleições de sábado, em Taiwan. Além das palavras recíprocas de amizade, cooperação e solidariedade, o governante cabo-verdiano “reafirmou o firme compromisso do Estado de Cabo Verde com o princípio de uma só China”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros; Rui Figueiredo Soares, “reconheceu os esforços da China para salvaguardar a sua soberania e a integridade territorial, privilegiando as vias pacíficas a fim de manter uma situação estável e manter a paz e estabilidade na região e entre os dois lados do estreito”.
A estratégia de Pequim para Taiwan inclui isolar a ilha no palco internacional. Atualmente, apenas 11 países têm relações diplomáticas formais com Taiwan.
Criar dependência
A cooperação económica com África está a ser intensificada no âmbito da Nova Rota da Seda, ou ‘Belt and Road Iniciative’ (BRI), uma iniciativa lançada pelo Presidente chinês, Xi Jinping: um pilar da política externa chinesa que se traduz em empréstimos para grandes projetos de infraestruturas nos países em desenvolvimento.
A cada três anos, realiza-se uma cimeira entre líderes chineses e africanos, o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC, na sigla em inglês). O mais recente teve lugar no Senegal, em 2021. Numa mensagem de vídeo na ocasião, Xi Jinping disse que as relações sino-africanas eram um exemplo para a comunidade internacional porque “ambas as partes forjaram uma amizade fraterna indestrutível na luta contra o imperialismo e o colonialismo”.
Hoje, a amizade entre China e África baseia-se na reciprocidade, diz Marina Rudyak, especialista do Instituto de Estudos da Ásia Oriental da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
“Os países africanos recebem apoio da China em forma de investimento, comércio e ajuda ao desenvolvimento. Em contrapartida, a China recebe apoio político nas correlações entre fluxos financeiros e no sentido de voto dos países africanos nas Nações Unidas, no que toca a questões relevantes para a China”, considera.
Capital político
Segundo um estudo da Fundação alemã Friedrich Naumann, a China construiu ou renovou mais de 15 edifícios parlamentares em África. A manutenção a longo prazo destes edifícios dá à China acesso a decisores interpartidários no processo legislativo.
“A China tornou-se um interveniente fundamental na (re)formação das instituições políticas em África”, diz Marina Rudyak. “É claro que a China também está interessada em construir capital político”.
No entanto, Pequim rejeita críticas do Ocidente, que acusa de impor condições políticas à ajuda ao desenvolvimento, como a boa governação, a promoção da democracia e os direitos humanos.
“A China acredita que África não precisa de nada disto”, acrescenta a especialista.
Ainda assim, os países africanos não veem qualquer competição entre a China e o Ocidente. A China constrói estradas e o Ocidente traz outros bens, diz Rudyak. E África fica com o que precisa.
por:content_author: Yuan Dang, Lusa, mjp