O que estão compartilhando: vídeo em que o senador Cleiton Azevedo (Republicanos-MG) afirma que o governo federal comprou 52 mil pacotes de arroz de um quilo a um custo unitário de R$ 35, totalizando um gasto de R$ 1,82 milhão. Na gravação, o parlamentar levanta suspeitas de superfaturamento na compra do alimento.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: na realidade, o valor citado de R$ 35 é para 10 kg de arroz em uma cesta básica. O alimento foi adquirido junto de outros itens pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) em uma compra de cestas para atender ao Estado do Rio Grande do Sul. Conforme mostra a ata de registro de preços da empresa fornecedora, o custo por quilo de arroz foi de R$ 3,50. Segundo o ministério, cada cesta segue um modelo padrão, que contém 10 kg de arroz, sendo dois pacotes de 5kg em cada cesta.
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Na compra mencionada pelo senador, o ministério informou que adquiriu 52 mil cestas de alimentos, cada uma com a quantidade padrão de arroz. Assim, o total adquirido foi de 520 mil kg de arroz, ao preço unitário de R$ 3,50, resultando no valor de R$ 1,82 milhão, conforme mostra a nota de empenho.
Procurado, o senador informou que está sempre fiscalizando e questionando as licitações de todas as pastas do governo. Segundo ele, o caso foi encaminhado para o Tribunal de Contas da União (TCU) para apuração. À reportagem, o TCU informou que não localizou documento de autoria de Cleiton Azevedo sobre o assunto nos sistemas do Tribunal.
Saiba mais: O vídeo verificado aqui é um recorte de uma declaração feita pelo senador Cleitinho durante uma sessão plenária do Senado, no dia 29 de maio. O trecho foi publicado no TikTok em 31 do mês passado e conta com mais de 322 mil visualizações. O senador também publicou vídeos sobre o assunto em seu perfil no Instagram, no entanto, as postagens foram removidas após a reportagem contatar sua assessoria.
Na sessão plenária em questão, o senador disse que iria encaminhar ao TCU informações sobre uma licitação para aquisição de alimentos aberta pelo MDS, o qual ele se refere como Ministério da Cidadania. Durante sua fala, o senador sugeriu indícios de superfaturamento na compra e mencionou outros itens supostamente adquiridos pela pasta a preços superiores aos praticados em supermercados.
A licitação a qual o senador se referiu foi aberta em agosto de 2023 com o intuito de registrar preços para a aquisição de cestas de alimentos destinadas à Ação de Distribuição de Alimentos (ADA), que tem como objetivo “atender, em caráter complementar e emergencial, famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional, residentes em municípios ou regiões com declaração de emergência ou calamidade pública”.
As cestas distribuídas pela ADA possuem três modelos distintos, cada um com quantidades específicas de alimentos. Os modelos são o Yanomami, o tipo 1, destinado aos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e o tipo 2,para estados das regiões Sul e Sudeste. É sobre alimentos presentes nesses modelos de cestas que o senador Cleitinho fez alegações de superfaturamento.
Valores de aquisição estão registrados nas atas de preço
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, a ata de registro de preços é um um procedimento licitatório que indica uma possibilidade de compra pelo governo federal, de acordo com demandas específicas. A finalidade é registrar o preço de determinado material ou serviço, que seja do interesse do poder público. No caso da pasta, a licitação foi aberta para atender a situações emergenciais previstas ao longo de um ano. Em caso de alguma demanda de aquisição de alimentos, o valor a ser pago pelo governo federal será exatamente o que consta na ata.
Conforme informado pelo ministério, o edital de licitação 14/2023 – que ainda está em execução – gerou 16 atas de registro de preços, com valores registrados para cada unidade da federação, sendo que uma empresa pode ter vencido mais de uma ata. A pasta enviou para a reportagem as atas das empresas fornecedoras de alimentos. Elas podem ser conferidas aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. “Os preços variam de uma para outra, pois englobam também custos logísticos e impostos diferentes de cada estado”, informou.
Ainda segundo o ministério, cada cesta de alimentos adquirida por meio da ADA contém em média 21kg de alimentos e, atualmente, custa entre R$ 160 e R$ 170 para os cofres públicos. O valor corresponde – além dos itens alimentícios – ao custo de embalagem dos itens que compõem a cesta e ao custo da logística para transporte e entrega das mesmas.
Preços correspondem ao total do item por cesta, não ao preço unitário
Na última quarta-feira, 5, o MDS publicou uma notaem que classificou como falsas as alegações feitas por Cleitinho no plenário do Senado. Segundo a pasta, os valores mencionados pelo senador como indícios de provável superfaturamento correspondem, na realidade, a diferentes lotes de itens e não ao valor unitário de cada item.
Ao Verifica, o ministério informou que não há aquisição de itens individuais. “A aquisição é feita por cesta fechada, e o custo estimado de cada item individual é aquele constante da ata de registro de preços assinada”, informou.
As declarações feitas pelo senador em um vídeo publicado em seu perfil no Instagram, o qual foi removido na última semana, contradizem os valores que constam nas atas de registro de preços. Conforme afirmado por Cleitinho, o ministério teria pago R$ 62 em uma lata de leite em pó, R$ 88 por cada lata de sardinha e R$ 27,96 por quilo de feijão.
Informações presentes em diferentes atas de registro de preços, também disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), mostram os preços reais de cada item. Na verdade, o custo do leite em pó é determinado com base em dois quilos do produto, o que significa que o preço unitário é de R$ 31. Da mesma forma, o valor atribuído a cada lata de sardinha corresponde a 20 latas de 125 gramas cada, resultando em um custo individual de R$ 4,40 por lata. Quanto ao feijão, seu preço é calculado considerando três quilos do alimento, o que resulta em um custo unitário de R$ 9,32 por quilo.
A reportagem solicitou ao senador os documentos que comprovem os valores mencionados no vídeo removido de seu perfil no Instagram, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação.
História de Maria Eduarda Nascimento