A Rússia fechou o cerco aos últimos defensores da cidade portuária de Mariupol e está reforçando posições em trono do leste do país, movimentos que visam preparar a batalha que poderá levar a guerra na Ucrânia a uma conclusão –favorável ou não ao Kremlin.
Situada na costa sudeste do país, Mariupol é a peça que falta para o estabelecimento de um controle terrestre russo de uma faixa que liga o Donbass (o leste russófono) à Crimeia, península histórica da Rússia que foi anexada da Ucrânia em 2014.
A cidade está praticamente destruída, embora ainda haja moradores buscando sair –um novo corredor humanitário foi anunciado pelos russos nesta segunda (11). O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse ao Parlamento da Coreia do Sul por vídeo que já morreram lá “dezenas de milhares de pessoas”.
Não é um dado aferível a essa altura, como praticamente tudo o que acontece dos dois lados deste conflito, embebido em exageros e fake news. Segundo a imprensa russa, as instalações do porto de Mariupol foram tomadas, encurralando os últimos resistentes.
A eventual queda de Mariupol completaria o cenário ao sul para a batalha do Donbass, já anunciada por Moscou como seu objetivo nesta fase da guerra. Para tanto, há reforços de tropas relatados em toda a região já ocupada por separatistas nas autoproclamadas repúblicas de Lugansk e Donetsk e ao norte de Kharkiv, segunda maior cidade ucraniana, já sob ataque desde o começo da guerra.
Segundo um analista militar russo, que pediu anonimato, Moscou deverá fazer um ataque que tente driblar a chamada linha de contato, a fronteira real entre as áreas tomadas por rebeldes pró-Rússia desde a guerra civil iniciada em 2014 e as principais forças ucranianas –cerca de 40 mil homens bem treinados.
Nos quase dois meses de guerra, os russos e seus aliados não conseguiram romper a linha em si. O bombardeio já em curso contra as cidades de Rubijne e Popasna indica esse movimento, engajando as forças ucranianas. Para o analista, Moscou irá enquanto isso deslocar forças para manobrar rumo sudoeste, circundando Kramatorsk para tentar envelopar os ucranianos.
Diferentemente da primeira fase da guerra, com múltiplas frentes e forças dispersas, a ação tende a ser mais focada e a ocorrer em campos menos congestionados por cidades. Se queria tomar a Ucrânia toda no susto, chegando às portas de Kiev com forças insuficientes no segundo dia da guerra, Putin fracassou.
Como nunca anunciou nada que não fosse a “desmilitarização, desnazificação e proteção do povo do Donbass” como objetivo ao lado de impedir a adesão da Ucrânia à Otan (aliança militar ocidental), o russo sempre poderá dizer que não tinha a intenção de conquistar Kiev.
A tática de manobrar para colocar os ucranianos dentro de um “caldeirão”, sujeitos a fogo aéreo e de artilharia, já deu certo em menor escala na batalha entre separatistas e ucranianos que definiu o cessar-fogo de 2015. Fazer isso contra 40 mil homens, contudo, é outra história.
Do lado adversário, os sinais foram vistos. Autoridades do Pentágono disseram a repórteres que os russos podem dobrar ou triplicar o número de soldados ora posicionados no Donbass. E o governo em Kiev disse esperar a ofensiva “para os próximos dias”.
A batalha insinua um ponto de inflexão, talvez final, da guerra. Putin nomeou para comandar a ação o general Aleksandr Dvornikov, de reputação implacável quando chefiou as forças russas na Síria.
Se os russos conseguirem ou destruir, ou fazer se retirarem as forças de Zelenski na região, poderão tomar as fronteiras anteriores à guerra civil das províncias de Lugansk e Donetsk. A situação militar poderá levar a uma negociação de paz efetiva, faltando aí saber como serão atendidas as expectativas de Kiev de terem proteção ocidental em troca de não aderir à Otan.
Se for uma vitória muito expressiva, Putin estará em condição de ditar mais termos. Por ora, segue a guerra: seu chanceler, Serguei Lavrov, disse que os combates não cessarão enquanto houver negociações de paz.
Mas o presidente pode, na opinião do analista, perder. O risco é o de falta de reservas: como não declarou guerra para manter a pantomima de uma “operação especial” para o público interno, não há acesso a forças disponíveis numa mobilização nacional. Neste caso, uma derrota terá de ser embalada como alguma vitória parcial, e o risco de uma escalada violenta não está descartado.
Assim, se decidirem ficar para a luta, os ucranianos têm uma chance. O problema deles é o provável desgaste de suas forças, que não é escrutinado com precisão devido ao apoio que a causa de Kiev tem de governos e também na mídia, obscurecendo as informações.
Além disso, até aqui as armas fornecidas pelo Ocidente, mísseis antiaéreos e antitanque portáteis, eram bastante eficazes para a guerra de emboscada nas periferias de Kiev e outras cidades. Em um campo de manobras, seriam precisos mais blindados, tanques e a cobertura aérea e de defesa antiaérea, o que não sobra para os ucranianos.
Ao contrário. A Rússia divulgou nesta segunda ter destruído o regimento de baterias antiaéreas S-300, de longo alcance, provavelmente o que foi doado pela Eslováquia à Ucrânia. Não há confirmação independente disso, mas segundo Moscou os lançadores estavam em Dnipro –o que lhes daria alcance (150 km) para atingir a aviação russa sobre o Donbass.
Londres prometeu a Kiev 120 blindados, e a empresa alemã Rheinmetall disse que poderia fornecer em dois meses alguns de seus 60 tanques Leopard-1 descomissionados, que estão em estoque, se Berlim permitir. Todos esses anúncios são praticamente simbólicos, em termos de fazer alguma diferença a tempo da batalha que está por vir.
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