Mais de um mês após a depredação das sedes dos três Poderes, o STF (Supremo Tribunal Federal) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) ainda procuram soluções para que as centenas de ações penais contra os suspeitos de participarem e incentivarem os ataques golpistas de 8 de janeiro não travem os trabalhos dos órgãos.
É consenso que, em qualquer cenário, haverá sobrecarga de serviços e uma provável necessidade de convocar reforços.
As ações são assinadas pelo subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, que coordena o grupo da PGR que atua nos casos relacionados aos atos golpistas.
Informalmente, ele já tem consultado procuradores para reforçarem a equipe que atuará nas ações penais dos casos.
No Supremo, interlocutores do ministro Alexandre de Moraes, responsável pelos inquéritos, afirmam que a sua intenção inicial era manter os processos sob a tutela do tribunal, o que evita que eles fiquem parados e sem julgamento ou que haja decisões divergentes entre os juízes caso sejam enviados para a primeira instância.
Porém, não há uma equipe no Supremo que tenha condição de tocar a fase de instrução das ações, após o recebimento das denúncias.
Nessa parte dos processos, são apresentadas as provas materiais, como documentos, e ouvidas as testemunhas. A partir daí, o juiz forma a convicção se irá condenar ou absolver o réu.
Uma possibilidade que tem sido cogitada é a criação de uma força-tarefa, com convocação de juízes, para tocar essa fase dos processos.
Para as audiências de custódia etapa mais simples, na qual magistrados fazem avaliação inicial das prisões, já foi necessário criar um mutirão na Justiça. Moraes delegou a tarefa a juízes federais e distritais.
Há ainda outro problema. Segundo o regimento interno do Supremo, as ações penais que tramitam na corte devem ser julgadas em plenário pelos 11 ministros.
Isso, porém, pode ser feito de forma virtual, em um sistema no qual os integrantes da corte depositam os seus votos eletronicamente.
De 2014 a 2020, a competência para julgar as ações tinha sido deslocada para as turmas de cinco ministros.
O retorno ao plenário desses julgamentos, como foi no mensalão, aconteceu em 2020, na gestão do ministro Luiz Fux, sob a justificativa de que as restrições no foro especial diminuíram a quantidade de ações penais no Supremo.
À época, isso foi considerado um movimento de Fux em benefício da Lava Jato, já que os processos deixariam de ser julgados pela Segunda Turma, que vinha impondo sucessivas derrotas à operação.
Se a maioria dos processos não ficar no Supremo, é possível que o ministro Alexandre de Moraes envie os casos para a primeira instância após as denúncias serem aceitas pelo tribunal.
No STF permaneceriam apenas as ações relacionadas a pessoas com prerrogativa de foro, como deputados federais.
Como as suspeitas envolvem crimes federais ocorridos em Brasília, o caminho esperado é que eles sejam enviados para uma das varas criminais da Justiça Federal do Distrito Federal.
Mas isso também provocaria um problema: há apenas três varas criminais federais no DF, que ficariam superlotadas com os processos relacionados aos atos golpistas do dia 8 de janeiro.
Embora haja divergências entre os próprios ministros a respeito do que deve ser feito, o entendimento comum é o de que a solução final deverá ser apresentada pelo próprio Alexandre de Moraes, que tem um perfil centralizador e controlador com as suas ações.
Atualmente, sete inquéritos estão abertos no Supremo para apurar responsáveis pelos atos antidemocráticos que culminaram em depredação na praça dos Três Poderes, a pedido da PGR.
Três desses inquéritos investigam a participação de deputados federais sob suspeita de terem instigado os atos: André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Silvia Waiãpi (PL-AP).
Em suas decisões, Moraes tem indicado que pretende atuar de forma rigorosa contra autoridades que tiveram relações com os atos.
Ele já disse, por exemplo, que “os agentes públicos (atuais e anteriores) que continuarem a se portar dolosamente dessa maneira, pactuando covardemente com a quebra da democracia e a instalação de um estado de exceção, serão responsabilizados”.
“Absolutamente todos serão responsabilizados civil, política e criminalmente pelos atos atentatórios à democracia, ao Estado de Direito e às instituições, inclusive pela dolosa conivência por ação ou omissão motivada pela ideologia, dinheiro, fraqueza, covardia, ignorância, má-fé ou mau-caratismo”, afirmou.
Outros dois inquéritos tentam identificar quem foram os executores e quem foram os financiadores e pessoas que auxiliaram materialmente os atos.
Há, ainda, um que apura os autores intelectuais e instigadores dos atos. Nesse inquérito, Jair Bolsonaro (PL) é investigado.
O ex-presidente é suspeito de ter cometido incitação pública à prática de crime após ter postado no Facebook, dois dias após os ataques, um vídeo questionando a regularidade das eleições e apagado depois.
Além disso, o sétimo inquérito aberto investiga suspeitas de ações e omissões do governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF Anderson Torres.
Desde 8 de janeiro, ao menos 1.420 pessoas foram presas em flagrante ou durante operações deflagradas pela Polícia Federal. Daqueles presos em flagrante, até a semana passada 916 tiveram a prisão convertida em preventiva (sem prazo determinado) e 464 obtiveram liberdade provisória, mediante medidas cautelares.
JOSÉ MARQUES – Há 1 h