– O ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, do STM (Superior Tribunal Militar), apresentou nesta quinta-feira (29) relatório favorável à redução de até 28 anos da pena dos oitos militares envolvidos no assassinato do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador Luciano Macedo.
Os militares do Exército deram 257 tiros contra os dois. Os agentes afirmaram que confundiram o carro utilizado por uma das vítimas com um veículo que teria sido usado em um roubo na região militar, no Rio de Janeiro.
No voto, o tenente-brigadeiro Amaral afirmou que os militares não tinham o interesse de matar os civis. Por isso, absolveu os réus pela morte de Evaldo Rosa, alegando legítima defesa, e sugeriu fixar a condenação pelo assassinato de Luciano como homicídio culposo, quando não há intenção de matar.
“Não há como aceitar o entendimento da sentença dizendo que os agentes agiram deliberadamente. É inarredável o desdobramento dos fatos com o ocorrido na Vila Militar de Guadalupe. Eles não saíram do quartel com o objetivo de realizar uma chacina”, disse Amaral.
Os militares foram condenados na primeira instância da Justiça Militar em 2021. As penas variavam de 28 a 31 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de homicídio qualificado contra duas vítimas e tentativa de homicídio de uma terceira.
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Com a revisão da pena sugerida pelo relator, as penas seriam reduzidas para 3 anos para os soldados e cabos e 3 anos e 7 meses para o 2º tenente –com cumprimento em regime aberto para todos.
O ministro-revisor José Coêlho Ferreira decidiu seguir o voto do relator. A ministra Maria Elizabeth, porém, pediu vistas, e o julgamento não tem prazo para ser retomado.
A defesa dos acusados pedia a anulação do julgamento na primeira instância, alegando que o Ministério Público Militar havia apresentado duas provas que não foram incluídas nos autos e, portanto, seriam irregulares.
O advogado Rodrigo Roca, que representa os oito militares condenados, ainda pediu que fosse reconhecido que os homens de farda agiram em legítima defesa putativa, na qual o agente acredita se encontrar em situação de ameaça real, mesmo que ela não seja concreta.
Ela sustentou ainda que não houve excesso por parte dos réus, apesar de terem sido disparados 257 tiros contra as vítimas, porque a ação contava com 12 militares (oito atiraram, média de 32 disparos por militar).
Os argumentos foram rechaçados pelo Ministério Público Militar, que pediu a manutenção das condenações com penas que variam de 28 a 31 anos. O relator, no entanto, concordou com a tese da legítima defesa putativa.
Carlos Augusto ainda mudou a condenação pela tentativa de homicídio contra Sérgio de Araújo, sogro de Evaldo, que foi atingido de raspão por tiros nas costas e no glúteo. No voto, o ministro mudou o crime para lesão corporal –que, pela baixa pena, já prescreveu.
O advogado André Perecmanis, que representa as vítimas, afirmou que o voto do ministro, se acatado pelos demais magistrados, representaria uma derrota para os familiares de Evaldo e Luciano.
“É bom frisarmos que a decisão final ainda não está tomada. Confiamos nos ministros. Mas evidentemente que se essa decisão for mantida será uma lástima que nos levará a alguns questionamentos. Um deles é a própria existência da Justiça Militar, que absolve pessoas que destruíram duas famílias à luz do dia com 257 tiros”, afirmou.
O caso ocorreu em abril de 2019. Um comboio com 12 militares se deslocava do 1º Batalhão de Infantaria Motorizada Escola para os apartamentos funcionais do Exército em Guadalupe, na zona oeste do Rio de Janeiro.
Eram 14h30. O grupo subiria até os prédios funcionais para substituir a equipe de militares que realizava a segurança dos imóveis.
No caminho, os 12 militares flagraram o roubo de um Honda City. O proprietário do carro foi rendido por uma pessoa armada, e parte do grupo criminoso fugiu do local em um Ford Ka.
Os militares do Exército tentaram perseguir o carro e, no caminho, encontraram um outro Ford Ka semelhante, que passava a metros do local do crime.
O músico Evaldo Rosa dos Santos dirigia o veículo a caminho de um chá de bebê próximo à região. Ele levava no carro o sogro, no banco do passageiro, e a esposa, o filho de 7 anos e uma amiga nos bancos traseiros.
Os militares, confundindo os veículos, usaram fuzis para atirar contra o carro. Segundo a perícia, o primeiro disparo atravessou o carro e não feriu ninguém. O segundo, porém, entrou pela caixa de rodas e passou pelo banco do motorista, “atingindo a base das costas de Evaldo Rosa dos Santos, que começou a perder os sentidos”.
O carro percorreu cerca de 100 metros até parar. O catador de recicláveis Luciano Macedo, que passava pela região, viu Evaldo ferido e tentou socorrê-lo.
Mesmo desarmado e tentando prestar auxílio, ele foi alvo de uma sequência de tiros de fuzil.
“O tenente Nunes e os demais denunciados deflagraram uma excessiva quantidade de disparos de fuzil e de pistola contra o veículo Ford KA e contra Luciano […]. Luciano foi alvejado no braço direito e nas costas”, diz trecho da denúncia do Ministério Público Militar.
Testemunha do caso, Williams Stelman Martins afirmou durante a investigação que “os militares do Exército chegaram atirando e que estavam gritando: ‘é bandido, é bandido'”. Ele relatou ainda que os militares agiram “com deboche” quando a esposa de Evaldo Rosa pedia socorro.
A defesa dos réus afirmou, durante o julgamento desta quinta, que os militares não deveriam ser condenados considerando o cenário, com o roubo de um carro e a semelhança entre os veículos dos criminosos e da vítima.
“Esse erro é gritante e alarmantemente escusável, porque a nenhum de nós era dado agir de outra maneira naquele contexto. Talvez um episódio como este nunca aconteça, eu nunca tinha visto isso”, disse Rogério Roca.
Na primeira instância, oito militares foram condenados e quatro, absolvidos. O 2º tenente Italo da Silva Nunes teve a maior condenação, a 31 anos e 6 meses de prisão, pelos crimes de homicídio qualificado e duas pessoas e tentativa de homicídio de um terceiro.
Os demais sete militares foram condenados a 28 anos de prisão. Todos respondem em liberdade.
Em relatório apresentado ao STM contra a absolvição dos réus, o procurador-geral da Justiça Militar, Antônio Duarte, afirmou que a justificativa apresentada pelos denunciados –confundir o carro das vítimas com o carro dos assaltantes– não deve ser considerada.
“Mesmo que se tratasse dos assaltantes do veículo, a ação esperada dos condenados, justamente porque eram militares, no exercício de ação de garantia da lei e da ordem, era, naquele momento, a tentativa de rendição e prisão dos autores do roubo”, disse Duarte.
“O fato de confundir o veículo da vítima com o veículo de um agressor pretérito, não se verificando, sequer aparentemente, uma agressão injusta atual ou iminente, não pode levar ao afastamento da responsabilidade penal dos condenados.”