Ao menos oito vereadores afirmaram retirar seus apoios à abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre ONGs que teria na mira o padre Júlio Lancellotti. A debandada, no entanto, pode dificultar a instalação da comissão proposta pelo vereador Rubinho Nunes (União), mas não enterra a proposta.
Isso porque os vereadores que anunciam a “retirada da assinatura” o fazem em sentido simbólico. Uma vez que o pedido de CPI já foi protocolado — com no mínimo 18 assinaturas, como determinado pelo regimento interno da Câmara —, não há mais como remover a assinatura de algum parlamentar.
Assim, o requerimento de Rubinho Nunes segue na tramitação. No momento, aguarda a apreciação do colégio de líderes, que reúne as lideranças de cada bancada e a presidência da Casa, liderada por Milton Leite (União Brasil). Com o aval dos líderes, o pedido segue para votação no plenário e precisa contar com o apoio de mais da metade dos parlamentares, ou seja, ao menos 28 dos 55 votos.
A Câmara Municipal de São Paulo segue em recesso parlamentar até o dia 6 de fevereiro e nenhuma decisão é definitiva até a retomada dos trabalhos legislativos.
Pedido segue na pauta da Câmara
Ainda que a retirada de apoio dos vereadores não tenha o efeito prático de interromper a tramitação da CPI, ela ainda tem um peso simbólico que pode apontar para o fracasso do requerimento. Afinal, ele não poderá contar com os votos desses vereadores caso vá a votação em plenário.
Para Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da FGV/EAESP, a debandada pode inclusive impactar a articulação política do pedido. “A retirada significa que o apoio não é do tamanho que Rubinho havia anunciado”, diz o professor.
No entanto, segundo Silvia Ferraro, co-vereadora da mandado coletivo Bancada Feminista (PSOL) na Câmara, o movimento deve ser avaliado com cautela. “Foram retiradas importantes de apoio político, mas não podemos achar que ela (a proposta de CPI) realmente está fora da pauta”, afirma.
Ao Estadão, a co-vereadora diz ver “com preocupação” o posicionamento do presidente da Casa. “Ele não se contrapôs categoricamente, ainda quer fazer uma análise”, aponta Silvia.
O Estadão buscou contato com o presidente da Câmara de Vereadores mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Autor acredita na instalação da CPI
Apesar da debandada de apoiadores, Rubinho Nunes disse ao Estadão dispor “tranquilamente” do necessário para a aprovação. “Sim, temos votos. São 28 e isso a gente consegue com tranquilidade, é um número baixo”. O vereador confirmou ainda que seguirá adiante com o pedido, “doa a quem doer”.
“Não dou a menor atenção para a pressão ridícula que a esquerda tem feito para blindar essas ONGs. Fui eleito para investigar e farei exatamente isso”, diz Rubinho. Questionado sobre o clima político diante da repercussão do pedido, ele avalia que as lideranças chegarão a um acordo. “No colégio de líderes, tenho certeza de que, se não houver um consenso, vai haver ao menos um acordo da maioria”.
Vereadores mostram-se favoráveis à investigação de ONGs que utilizam dinheiro público
O requerimento de CPI não cita o nome de Lancellotti, mas Rubinho Nunes afirmou em entrevistas e nas redes sociais que o padre estaria no radar da comissão — o que motivou a debandada dos oito apoios que afirmaram “retirar sua assinatura”. No entanto, a postura dos vereadores indica que eles manteriam o apoio caso o objeto da investigação fosse delimitado a ONGs que recebem verbas públicas.
O vereador Beto do Social (PSDB), por exemplo, disse que mantém o interesse em fiscalizar ONGs que atuam na Cracolândia. “Tenho o dever de fiscalizar o uso de verbas públicas. Quando me foi apresentado o projeto de uma CPI para investigar verbas destinadas às ONGs, eu concordei. Em nenhum momento esta comissão pretendia, ao menos naquele momento, investigar o Padre Júlio Lancelotti”, alegou, em publicação nas suas redes sociais.
Ao Estadão, Sandra Tadeu (União Brasil) também não negou a pertinência da investigação às ONGs, destacando não ser a favor de uma CPI “personalizada” e focada em Júlio Lancellotti. “Sou a favor de uma CPI ampla que ouça as ONGs e o poder público municipal, estadual e federal, para que possamos entender onde estamos falhando”, afirma a vereadora.
Soma-se a isso a repercussão do caso, que gerou reações até no governo federal, e o fato de que ainda não está claro se a vontade política da base aliada do prefeito Ricardo Nunes (MDB) irá pautar a CPI. O professor Marco Antônio Teixeira avalia que a retirada de assinaturas indica que ela não será aprovada e que, mesmo que seja, enfrentará desafios para ser instalada de fato.
Até a retomada dos trabalhos na Casa em fevereiro, a pressão de autoridades e da opinião pública podem ser fiéis na balança desta equação.
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Confira os vereadores que retiraram o apoio ao pedido
- Sandra Tadeu (União Brasil)
- Thammy Miranda (PL)
- Xexéu Tripoli (PSDB)
- João Jorge (PSDB)
- Beto do Social (PSDB)
- Sidney Cruz (Solidariedade)
- Dr. Nunes Peixeiro (MDB)
- Dr. Milton Ferreira (Podemos)
CPI mira ONGs e quer investigar uso de dinheiro público
Rubinho Nunes quer investigar o uso de dinheiro público nas ONGs que atuam na Cracolândia e colocar em pauta a chamada política de redução de danos. Segundo o vereador, as organizações usam verbas para distribuir alimentos, kit de higiene e itens para o uso de drogas à população em situação de rua, gerando o que ele chama de um “ciclo vicioso” no qual o usuário de crack não consegue largar o vício.
A Craco Resiste, um dos alvos de Rubinho, rechaçou as acusações e afirmou não ser um ONG, e sim um projeto de militância . “Quem tenta lucrar com a miséria são esses homens brancos cheios de frases de efeito vazias que tentam usar a Cracolândia como vitrine para seus projetos pessoais”, declarou a entidade em nota divulgada nas redes sociais. A reportagem não conseguiu contato com o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, conhecido como Bompar, também mencionada pelo vereador.
Procurado pelo Estadão, o padre Júlio Lancelloti declarou que a instalação de CPIs para investigar o uso de recursos públicos pelo terceiro setor é uma ação legítima do Poder Legislativo. No entanto, acrescentou que não faz parte de nenhuma organização conveniada à Prefeitura de São Paulo, mas, sim, da Paróquia São Miguel Arcanjo.
História por Juliano Galisi